domingo, 7 de agosto de 2011

A hora e a vez de Auguato Matraga

Augusto Estêves mandava e desmandava. Era chefe de jagunços, o homem mais temido das redondezas. Tinha mulher, chamada DIONÓRA, e uma FILHA pequena, mas era bruto e infiel, uma peste. Um dia, durante uma festa, nhô Augusto se engraçou com TOMÁSIA, uma menina nova que apareceu no arraial. Pouco se importou com o NAMORADO que a acompanhava. Roubou-a do rapaz que humilhou e espancou à vista de todos. Partiu com a nova conquista, mas, assim que se afastaram, desprezou a menina. Empurrou-a pra longe e foi embora rindo. Tudo o que queria era confusão e ela só tinha sido o pretexto. Chegando em sua fazenda, nhô Augusto mandou seu empregado mais fiel, QUIM RECADEIRO, levar Dionóra e a filha para uma outra propriedade. Estava cansado da companhia delas e queria sossego. Quim obedeceu, mas, no caminho, Dionóra encontrou seu amante, OVÍDIO, que fugiu com ela e a menina. Quim correu para contar ao patrão o que acontecera e, no caminho, percebeu que as coisas iam mesmo mal para Augusto Estêves. O maior inimigo dele, MAJOR CONSILVA, sabendo que nhô Augusto andava endividado, tinha decidido que iria tomar-lhe as terras e o poder. Nhô Augusto estava decidido a lavar sua honra com sangue: iria matar Dionóra e Ovídio. Mas, antes, passou na fazenda do Major Consilva para ameaçá-lo e fazê-lo desistir de qualquer ataque. O problema é que o tal ataque já estava armado. Os capangas do Major Consilva espancaram Augusto Estêves, quebrando-lhe costelas, braços e pernas. E marcaram seu corpo com o ferro em brasa do gado. Nessa hora, Augusto Estêves deu um salto e caiu de uma ribanceira alta. Os capangas julgaram que estava morto, mas ele ainda vivia. Um negro, PAI SERAPIÃO encontrou aquele homem moído de tanta pancada, levou-o para seu casebre e, junto com a esposa, a negra MÃE QUITÉRIA, cuidou dele. Augusto Estêves levou meses para sarar. Apegou-se então à religião. Aconselhado por seus benfeitores negros e por um PADRE, Nhô Augusto arrependeu-se de sua vida de pecados e decidiu mudar. Assim que teve forças para se levantar, pôs-se a trabalhar no campo. Todos os dias, rezava com fervor para que Deus salvasse sua alma e afastasse dele o desejo de vingança. Seis anos se passaram. Nhô Augusto tornou-se um “santo”: já não bebia, tentava fazer o bem aos outros, seguia os ensinamentos de Jesus. Certo dia, chegou por aquelas bandas um velho conhecido, TIÃO DA THEREZA. Sem que Augusto Estêves pedisse, Tião contou o que acontecera durante aquele tempo. Quim Recadeiro tentara vingar o patrão e fora assassinado. Dionóra continuava amigada com Ovídio. Como todos pensavam que Augusto estava morto, o casal adúltero pensava em se casar na igreja. Quanto à menina, tinha tido um destino triste. Fugira de casa e virara prostituta. Augusto Estêves sofreu ao ouvir essas notícias. Voltou-lhe a vontade de se vingar, de lavar a honra com sangue. Mas o desejo de salvar sua alma era maior. Augusto Estêves pediu que Tião não contasse para ninguém que o vira e continuou com sua vidinha de trabalho pesado e novenas. Tempos depois, apareceu por aquelas bandas o mais famoso e temido cangaceiro de todo o sertão: o famigerado JOÃOZINHO BEM-BEM. A cidade inteira ficou apavorada, temendo os saques e estupros. Só Nhô Augusto teve coragem de ir falar com o bandido. Perceberam que eram de caráter parecido e ficaram amigos. Augusto convidou o bando para pernoitar no sítio. Eles comeram, beberam e contaram suas aventuras. Joãozinho, intuindo o que Augusto fora no passado, convidou-o para entrar no bando. Ele ficou tentado, mas, apegado ao objetivo de salvar sua alma, negou. O bando de Joãozinho Bem-Bem partiu e a vida de Augusto Estêves voltou à tranqüilidade anterior. Mas ele sentia uma inquietação difícil de controlar. Certa manhã, despediu-se de seus benfeitores e partiu. Queria viajar, conhecer outras terras. Em suas andanças, Augusto Estêves acabou reencontrando o bando de Joãozinho Bem-Bem. O bandido recebeu-o com afeto de irmão. Mais uma vez, convidou-o a se tornar um jagunço. Mais uma vez, Augusto negou. Estava determinado a salvar sua alma. Joãozinho Bem-Bem contou que já estavam de partida, fugindo de um destacamento militar que se aproximava da região, mas que, antes, iriam vingar a morte de um dos jagunços, Juruminho, que fora morto à traição. Apareceu um velho, JOÃO LOMBA, pai do rapaz que matara Juruminho. O velho (por coincidência, velho conhecido de Augusto) chorava e babava, implorando para que não matassem seus filhos e estuprassem sua mulher e filhas. Mas Joãozinho Bem-Bem estava irredutível. Seu capanga tinha sido morto e ele tinha que se vingar. Então uma surpresa: Augusto Estêves colocou-se entre Joãozinho e o Velho e disse que não iria permitir aquela malvadeza. Pediu que Joãozinho Bem-Bem partisse sem vingança ou então teria que se ver primeiro com ele. Os dois se enfrentaram aos tiros, facadas e pescoções. Logo, estavam no chão, sangrando, à beira da morte. Joãozinho Bem-Bem disse, antes de apagar para sempre: “Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci”. Nhô Augusto sussurrou para o velho: “Põe benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em ordem!”. Depois, morreu.


Autor: Guimarães Rosa

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