quinta-feira, 21 de julho de 2011

Pôr do sol

Teobaldo se encostou à janela e observou o entardecer. Uma infinidade de prédios brigando por espaço impedia-lhe a visão do horizonte, aonde o sol já ia mergulhando.  Lamentou (como lamentava quase todos os dias) a cada vez maior urbanização das metrópoles. O agigantamento desordenado que ia truncando as cidades, tornando a vida cada vez mais difícil e sufocante. Estava entre um suspiro e outro quando Maria se encostou a ele, procurando lá fora o que lhe atraia tanto a atenção. Ela permaneceu calada alguns instantes, esperando que ele se manifestasse. Mas Teobaldo estava melancólico e introspectivo.

— Alguma vizinha bonita no prédio ao lado? – perguntou com ironia, sem esconder uma pontinha de ciúme.

— O Sol. – respondeu Teobaldo, lacônico. O olhar perdido em lugar nenhum.

— Que tem o Sol? Cadê o Sol? – Maria espichou o pescoço para fora. Não viu nada.

— A questão é essa.

— Que questão? – Maria se afastou um tantinho, olhando para Teobaldo com indisfarçada curiosidade.

— O Sol está lá – disse Teobaldo apontando o dedo para um lugar em meio à maré de prédios que os circundavam – mas não o podemos ver. Só podemos supor sua presença pelos raios tênues que ainda emite. E o pôr-do-Sol é tão lindo… Pena que essa graça nos foi tirada.

— Você anda romântico… – brincou ela.

— Romântico, não. Saudosista. Há quanto tempo você não vê o Sol se pôr?

Maria coçou a cabeça, recuou alguns passos e se sentou na cama. Olhava para Teobaldo sem saber se deveria responder, dando continuidade àquele assunto tão estranho e fora de hora ou se deveria mudar a direção da conversa, indo para questões mais concretas, do dia-a-dia. Não estava acostumada a essas abstrações.

— Que tal subirmos no terraço do Prédio? O seu Jonas da portaria tem a chave… – propôs ela, acreditando que com isso deixaria Teobaldo mais animado.

— Esse prédio tem só oito andares, Maria. A grande maioria dos que nos cercam tem mais de quinze. Mas ainda não é essa a questão.

— Eu não estou entendendo você, Teobaldo. Dá pra esclarecer o que é que tá pegando? – Maria emburrou ligeiramente. Olhava para Teobaldo com impaciência.

— O Sol, o céu… As nuvens… É tudo isso que tá pegando.

— Você andou comendo alguma porcaria? Foi mexer naquele saquinho de salgadinho? Eu disse que aquilo tava velho, não era pra comer!

— Não estou brincando, Maria. Estou falando de transcendência. – a voz de Teobaldo não escondia a irritação.

— Agora pirou. – Maria se remexeu inquieta sobre a cama.

— Estou falando de humanidade. Humanismo. Estou falando de vida. De sentimentos. De comunhão. De Deus. Estou falando de alegrias, de amizades. O mundo está se fechando. Estamos nos esquecendo que as melhores coisas da vida são as mais simples. Um pôr-do-Sol que nos é roubado por dia nos faz envelhecer mais rápido. E nem nos damos conta disso. Só quando já é tarde demais.

— Vi um pôr-do-Sol ano passado, na praia. – Maria sorriu. Sua mente se encheu com o cenário que brotou da memória. – é mesmo muito bonito.

— E o nascer, Maria. O nascer é fantástico. – os olhos de Teobaldo brilharam ante a visão que lhe aflorou, trazida por lembranças de experiências vividas.

Maria colocou uma das mãos sobre a barriga ainda pouco saliente e concordou com um sorriso luminoso.

— Há um mundo hostil lá fora. Cada vez mais fechado sobre si mesmo. Os homens não sorriem mais. Andam apressados. Esbarram-se entre resmungos. E o Sol lá em cima, nos brindando com a beleza do nascente e poente. Bastando erguer os olhos…

— Quase isso, Teobaldo. Esqueceu-se dos prédios?

— É… Uma infinidade de janelas. Caras amarrotadas olhando para fora. O Sol escondido atrás disso tudo. – a expressão de Teobaldo era de inconformismo.

— E nós aqui. Discutindo o sexo dos anjos. É o tipo da conversa que deprime, que chateia, você não acha? – Maria franziu o cenho.

Teobaldo saiu da janela e foi se sentar ao lado dela. O semblante triste. Olhou para seu ventre, levou a mão até ele e o acariciou levemente.

— Deprime muito mais saber que há tantos lá fora que não dão nenhuma importância a isso. Ainda tenho a minha imaginação. Mesmo cercado por prédios, consigo “ver” o Sol se pôr. Posso “sentir” os raios tépidos. Posso “ver” o céu de cores mescladas, “sentir” a brisa de fim de tarde. As andorinhas dando rasantes antes de se recolherem.

— Bonito, isso, Teobaldo! Você é um poeta!

— Essas imagens me enchem de energia, Maria. Fazem-me sentir o mundo com uma percepção mais elevada.

— Há raios mais que tépidos se espraiando dentro de casa também. – Maria colocou a mão sobre a de Teobaldo, apertando-a contra sua barriga.

— Agora há. E haverá sempre. Porque acreditamos na vida e em Deus.

— E no pôr-do-Sol.

— E no pôr-do-Sol. – confirmou Teobaldo, inclinando-se para Maria e beijando-a carinhosamente nos lábios.
Autor: Tibor Moricz

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